The Lurker Economics 101 (ou Economia para ecochatos)
A parte complexa com resolver os problemas do mundo na mesa do restaurante é que nunca se consegue prosseguir com o assunto tempo suficiente para que se chegue a uma conclusão decente. Assim, vamos ao que eu realmente estava querendo dizer.
Se desejarmos manter a estrutura de que dispomos, temos que repensar nossos padrões de consumo. Não, eu não disse que o capitalismo vai acabar. O que eu disse na ocasião é que o consumo, como conhecemos, não pode seguir o ritmo atual por mais trinta anos, por uma incapacidade de reposição de recursos naturais. Simples: o planeta não agüenta.
Então, vamos esclarecer pontualmente algumas coisas que foram discutidas:
1) O aspecto econômico-social:
Comecemos pela China, cujo processo de capitalização é, na melhor das hipóteses, juvenil, não obstante as taxas de crescimento recentes, que variam de assombrosos 9% a 6% em média, derivados fundamentalmente da força humana de baixo custo. Digo juvenil pela forma assodada como a evolução ocorre, lembrando a busca de um adolescente por um papel que possa imitar. Ocorre que, para poder manter este padrão de crescimento, já optaram pela conseqüente díade de devastação e poluição, pelo consumo de seus recursos naturais sem grandes preocupações com a capacidade de recuperação do ambiente. Prova disso é que o rio Amarelo já quase não tem vazão para o mar, dado o tipo de consumo realizado em suas margens. Estímulo das leis de mercado.
Aproximadamente duzentos milhões de chineses já atingiram um patamar de consumo semelhante ao ocidental. Resta ainda um bilhão que vivem no campo, trabalhando em situação de pouca ou nenhuma sofisticação agrícola. Seguindo a história que se conhece e imaginando um processo de mecanização, a conseqüente migração e formação de grandes centros urbanos, as próximas três décadas, de maneira similar ao observado no Brasil e, mais recentemente nos países da antiga União Soviética, verão o aumento desordenado das cidades, o aumento das desigualdades entre ricos e pobres e o aumento da demanda por energia.
Sobre este processo podem ser citadas as favelas de "reciclagem" que recebem refugo de alta tecnologia do ocidente e do Japão. São locais onde crianças auxiliam no desmonte de computadores para aproveitamento de materiais nobres, como ouro, cobre e outros componentes. O refugo, na forma de metais pesados e poluentes, são levados dos depósitos pela água da chuva aos rios e/ou infiltradas nos lençóis freáticos. As conseqüências para a saúde da população já se fazem sentir e, infelizmente, são de longa duração (sem que se considerem efeitos teratogênicos). Casos semelhantes são conhecidos em países como a Indonésia.
2) O aspecto do clima:
Em função do atual padrão de consumo, já se fazem sentir as alterações do clima. Ou todo mundo está achando normal que ciclones e tempestades tropicais tenham resolvido se atirar em cima de Santa Catarina este ano, considerando-se igualmente normal o aumento dos tornados no meio-oeste americano? Que tal, então, a pouco mais de dois meses as perdas na safra de soja no Rio Grande do Sul, derivadas da seca, enquanto no nordeste do Brasil os açudes se enchiam ao transbordo, enquanto os cearenses se afogavam? As mudanças do clima causarão instabilidades na agricultura. Para populações como a da Índia este fato pode vir a causar mortandades como já observadas na África no século passado, na Somália e Etiópia, para citar apenas dois casos.
Situações semelhantes já foram registradas por arqueólogos, os quais apontam para a destruição da malha social de civilizações inteiras como decorrência de alterações climáticas severas (e.g. os Anasasi na América do Norte). A equação é básica: no momento em que grandes contingentes de seres humanos se descobrirem sem comida, não haverá governo que consiga se manter.
3) O aspecto da comunicação:
Argumentou-se que a situação moderna é diferente daquela verificada em qualquer outro período da história da humanidade, devido à facilidade de comunicação existente hoje. Esta visão, contudo, de baseia em dois aspectos: que a informação apresentada à população é verdadeira e que a população tem a capacidade de compreender suas implicações. Recentemente, no caso da Guerra do Golfo, verificou-se o quanto a manipulação da imprensa pode levar uma população que se supõe capaz de julgamentos balizados a dar suporte a uma intervenção militar desnecessária e que atende a interesse econômicos injustificáveis.
Ainda que se pondere sobre os efeitos da democratização da informatização como um elemento que permite a um povo intervir em aspectos políticos e sociais de maneira mais rápida, como no caso do seqüestro de Gorbatchev, são poucas as pessoas que têm acesso a estes meios, quando considerados os números da população mundial. Mais ainda, devido à ignorância, nem todas as pessoas conseguem alinhar-se de maneira a dirigir seu próprio futuro e, quando tal se dá, a força pode vir a ser sua resposta. Novamente a China nos dá uma visão deste processo, quando do episódio da Praça da Paz Celestial. Muitos dos líderes estudantis da época ainda são proscritos em seu país e vivem no exílio.
Mais ainda: se as informações disseminadas pela Internet contribuem para a mobilização mundial, também é fato sabido que esta é igualmente uma fonte de informação de baixa qualidade, através de lendas urbanas, boatos e distorções da realidade. É preciso critério para saber identificar o que corresponde à realidade e o que é delírio.
Se esta situação de manipulação das diversas mídias existentes não corresponde à realidade, esclareçam-me porque os caudilhos continuam a ser apontados aos cargos eletivos, mesmo com dezenas de denúncias de comportamentos "socialmente reprováveis".
4) O aspecto da tecnologia:
Para que as novas tecnologias venham a substituir os produtos de consumo existentes, e para que tais alterações sejam incorporadas em grande escala, de maneira a mitigar (não reverter) os danos já causados ao ambiente, seria necessário grande investimento (na tecnologia propriamente dita) e tempo (para fabricação, distribuição e eventual substituição de bens que ainda se encontram em perfeitas condições de uso). Ninguém vai trocar de televisão, pagando dois mil reais por outra, somente porque a nova consome 60% menos energia. O processo de geração de necessidade é mais complexo do que isto.
Tomando a substituição de automóveis à gasolina por outros movidos a células de hidrogênio - método que permite maior aproveitamento de energia em níveis de poluição zero - seria necessário primeiro que a estrutura de poder montada sobre a economia do petróleo estivesse de acordo, o que não é verdade. Como se isso não fosse suficiente, o
lobby das empresas de petróleo possui grande representatividade no cenário mundial, como pode ser observado pela ausência da assinatura nrte-americana no protocolo de Kioto. Mais ainda, sabe-se que os estadunidenses são responsáveis por nada menos de 45% do consumo do petróleo mundial e, mais ainda, sua geração de energia possui grande base termoelétrica e nuclear - ambas formas altamente poluentes. A substituição destas formas de produção não acontecerá em um curto período de tempo e seus efeitos continuarão a se sentir.
5) Conclusão:
A tese defendida nesta sexta-feira não pretende ser apocalíptica nem eu sou o Vostradeis. Mas pode ser sintetizada na seguinte idéia:
ou nós revemos o que e como consumimos, ou não vai haver muita coisa para se consumir em algum tempo. O clima e o meio ambiente são fatores imponderáveis e há muito pouca coisa que se possa fazer com a tecnologia a tempo de reverter os danos que já causamos. Isso porque ela é cara, requer muito desenvolvimento ainda e, quando chegar, não vai ter para todo mundo. A solução mais prática é repensar os padrões de produção enquanto ainda dá tempo de fazê-lo sem crises.
Uma solução para isso passa pelo
apartheid social, que eventualmente se instala pela conivência e acomodação de quem poderia fazer alguma coisa. A evolução de nossa democracia nos dividirá (como já o faz) em duas classes: a dos que consomem e a dos que não consomem. Ou como diziam os antigos:
O mundo se dividirá em duas categorias: a dos que não dormem e a dos que não comem. Os que não dormem com medo dos que não comem.
Me disseram que minha posição é romântica demais para isso e "seria bom se pudesse ser assim". Que as idéias de intervenção na sociedade através da educação para o consumo não encontrarão respaldo nos meios produtivos e que "não dá para ser assim". Já eu me pergunto:
o que impede que seja assim?
The Lurker says: "A teoria é cinza, mas a realidade é verde."
Goethe (
roughly translated)